quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Culpar o Hondt para que tudo fique na mesma

A ignorância em relação ao sistema eleitoral português que quer políticos, quer jornalistas revelam é assustadora e indesculpável.  Há dias a Agência Lusa espalhou um pouco por toda a imprensa (Expresso, Jornal de Notícias, Rádio Renascença, Diário de Notícias etc.) uma notícia que, reconhecendo um problema real do sistema - demasiados votos que não servem para eleger ninguém: 762.000 - aponta culpas ao alvo errado:

«O PAN elegeu o seu único deputado, André Lourenço e Silva, no círculo de Lisboa, com 22 628 votos. Ao todo, o PAN obteve 75 140 votos, sendo que, cerca de 30% destes votos, bastavam para eleger o seu deputado.

A razão para que tal aconteça é o método de Hondt.»

É difícil perceber como terá chegado o autor da notícia a tal conclusão, uma vez que os tais 75mil votos do PAN foram obtidos a nível nacional e o método de Hondt é simplesmente o método que distribuiu os mandatos em cada círculo eleitoral.  São os círculos de pequena dimensão, e não Hondt, os principais responsáveis pela enorme quantidade de votos no lixo, como escolheu titular o DN.

É verdade que Hondt favorece ligeiramente os maiores partidos em desfavor dos mais pequenos, mas essa é uma influência residual, na maior parte dos casos fosse a distribuição feita pelo método de Hondt ou outro método proporcional, o resultado seria o mesmo. Nada seria diferente por exemplo no círculo de Portalegre, apesar de noticiar a Lusa:

«Por exemplo, no distrito de Portalegre votaram 59 004 e foram eleitos dois deputados, um para o PS e o outro para o PSD. O PS obteve 25 037 votos e o PSD/CDS-PP 16 303. Após o cálculo do método de Hondt conclui-se que o PS teve um excedente de 8 734 votos e o PSD/CDS-PP 3 785. Contabilizando os votos de todas as forças políticas neste círculo, 28 159 votos não tiveram representação em mandatos.»

O resultado em Portalegre teria sido exatamente o mesmo com outra qualquer distribuição, o problema não é esse, o problema é que Portalegre só elege 2 deputados. Assim, tendo o PS 42% dos votos e o PSD menos de 28% cada um elege um deputado, se nas próximas eleições se inverter a ordem de forças (o que representaria uma enorme mudança política no distrito), continuará a dar empate em número de deputados. E a CDU com 12% não elege ninguém. 

Resumindo, Portalegre é demasiado pequeno para ser um círculo eleitoral, a representatividade do voto das pessoas em Portalegre é praticamente nula: 30% dos votos são em partidos que não ganham qualquer assento (lixo) e 70% dos votos dão um empate em número de deputados apesar do PS ser muito maior do que o PSD no distrito. 

Portalegre é o caso mais extremo - a par dos círculos da emigração - mas não é caso único. Bragança, Beja e Évora, cada um com 3 deputados eleitos, não têm muito mais representatividade. Idem para os 4 da Guarda. Redesenhar este mapa eleitoral, fundindo círculos, seria a forma mais fácil de corrigir o sistema sem o alterar profundamente. O Alentejo, Trás-os-Montes e a Beira Interior podiam ser círculos eleitorais resultantes dessas fusões. 

Mas existem outras alternativas, como um círculo nacional que aproveite a maioria destes votos perdidos. A representatividade nunca será perfeita, e nem é desejável que o seja - a bem da governabilidade - muitos países têm limites mínimos para um partido ganhar representação no parlamento (3 ou 5%). Em Portugal o que há é uma enorme disparidade entre círculos, sendo que em Lisboa é relativamente fácil um pequeno partido ganhar representação eleitoral e em vários outros círculos votar no 3.º ou mesmo 2.º partido (círculo fora da Europa) não ajuda a eleger qualquer deputado.

E notícias como este disparate da Agência Lusa, acriticamente reproduzido por todo o lado, não ajuda nem ao esclarecimento, nem ao debate. Muito melhor fez a revista Visão antes das eleições.

Este mapa mostra os votos sem representação em cada círculo para as legislativas de 2011:


E esta tabela mostra como as coisas podiam ter sido diferentes com um círculo nacional agregador dos votos desperdiçados:



terça-feira, 6 de outubro de 2015

Não se entala quem tem a faca e o queijo na mão

O PS só se entala se quiser. Qual é a pressa? Porque a múmia falou? Governos de coligação, sobretudo aquelas que não estão já vislumbradas antes da eleição, demoram muito tempo a cozinhar, na Bélgica passa um ano e ninguém perde o chão por isso. O que o PS devia fazer: 

1) Lembrar que o apuramento dos resultados e consequente medir de forças na AR ainda não está feito e que negociações detalhadas de possíveis governos de coligação só podem ser feitos depois disso. Imaginem que o PS acaba com mais deputados do que o PSD p.ex. (improvável, mas possível), nesse caso qualquer coligação que envolva PS e PSD deve ter o PS como líder, ou seja, Costa PM. 

2) Que bom, o PCP e o BE querem negociar! Ótimo, primeira abertura em décadas. Recordar que o Livre é um fruto da recusa do BE em negociar soluções de governo com o PS. Isto é progresso, isto é ótimo. E o PS devia começar a negociar imediatamente. Até para que se perceba se o PCP e BE querem mesmo negociar, fazer compromissos e cedências, procurar consensos entre os muito diferentes programas eleitorais. Ou se só querem entalar o PS. O PS só se desentala se começar já a negociar com eles. Na pior das hipóteses dão uns muito divertidos calafrios à direita. 

3) Ir avisando o "PÀF" que um indiscutível derrotado da noite eleitoral foi o CDS, perdeu mais de 60% de votos nas ilhas e o único deputado que tinha. PSD+CDS em 2015 tiveram os mesmos votos que o PSD sem CDS em 2011. Os deputados que conseguiu à custa do PSD não chegam para nada, não viabilizam governo nenhum. Pelo que se o PSD quiser coligar com o PS tem escolha simples, correr já com o CDS. O PS deve deixar claro que não faz tensões de se sentar à mesa com o CDS. Política é isto, fazer Portas engolir o seu discurso de domingo à noite, quando pedia a demissão de Costa. 

Por outro lado se o PS considerar de facto ir para um governo de bloco central deve ter noção que deixar a oposição apenas à sua esquerda é o seu suicídio eleitoral. Só com o CDS na oposição, e zangado com o PSD, haverá possibilidade de sobrevivência para o PS. 


4) É ok o PS ficar na oposição, viabilizando um governo PÀF. É o "costume" em Portugal. Mas é uma solução que garante instabilidade governativa e prováveis eleições antecipadas, não sendo líquido que o PS consiga aproveitar o melhor momento para se fazer ao poder. Nunca subestimar o poder de autovitimização da direita. O maior poder que o PS tem é agora, e se for essa a saída escolhida as linhas vermelhas para o governo têm que ser traçadas de forma muito clara para que o PS dê o chumbo sem medo quando for necessário fazê-lo. 

A quem achar tudo isto muito estranho leia este artigo do Expresso que mostra vários casos europeus (os nossos parceiros como lembrava a múmia), em muitos deles não teria havido qualquer dúvida em classificar o PÀF de derrotado da noite. Mas em Portugal a baixar de 50% para 38% continuavam a falar em "grande vitória" e os jornalistas da TV só abanavam com a cabeça que sim. Durou uma noite, já perceberam que dependem do PS para tudo.